• Por Imam Mufti (© 2016 IslamReligion.com)
  • Descrição: Os cristãos veem o Deus muçulmano como distante, inacessível e impessoal.  O artigo compara o nome cristão de Deus, Abba, ao nome de Deus mais usado no Alcorão, Rabb, extraindo seus significados e usos.

  • Abba da Bíblia

    GodAbbaorRabb.jpgOs cristãos se referem a Deus como Pai em seus credos, orações e liturgia.  Deus, o Pai, é visto como uma das três pessoas da Trindade.  Acreditam que o Pai tem um Filho, Jesus.  Os cristãos acham que somente eles têm uma relação pessoal, tanto com o Pai quanto com o Filho.  Diz-se que Abba seja a transliteração da palavra aramaica para pai.  É sempre usada com dirigindo-se diretamente a Deus, o Pai.  Aparece três vezes em todo o Novo Testamento e somente uma vez em um evangelho.  Em Marcos 14:36 (“Aba, Pai, tudo te é possível.”).  As outras duas ocorrências estão nas cartas de Paulo, em Rom 8:15 e Gal 4:6.

    Existe um grande debate entre escritores judaicos e cristãos sobre a natureza de Deus como um pai ou abba (a palavra aramaica para pai).  O debate começou com o que um sábio luterano alemão, Joachim Jeremias, escreveu em seu livro, “The Prayers of Jesus” (As orações de Jesus), traduzido por John Bowden.  Seu argumento essencial era repetido de maneiras ligeiramente modificadas pela maioria dos cristãos.  Edward Schillebeeckx tornou-o popular entre católicos romanos em seu livro “Jesus”.

    O que Jeremias afirmava basicamente era que, primeiro, “abba” representa um uso especial por Jesus que era central aos seus ensinamentos; segundo, que para Jesus isso expressava um tipo especial de intimidade e ternura que derivava da origem da palavra “abba”, a partir de conversa de criança; terceiro, que era diferente da prática do Judaísmo.  Seu ponto era que Jesus se referindo a Deus como Abba não deriva do Velho Testamento ou de seu pano de fundo palestino judeu.  Ao invés disso, representa sua relação única com o “Pai”. Portanto, alguns escritores cristãos prosseguiram dizendo que Deus pode ser chamado como “papai”, a maioria dizendo que é muito informal e desrespeitoso.  Escritoras cristãs feministas tinham um problema sério com a ideia de Deus como masculino e escreveram vários livros de crítica.

    Enquanto a maioria na igreja contemporânea simplesmente repete os pontos acima e os usam como base para a teologia popular,[1] isso foi muito criticado.  Mary Rose D’Angelo destaca evidência contra isso no artigo  ‘Abba and “Father”: Imperial Theology and the Jesus Traditions’ (“Abba e “Pai””: Teologia imperial e as tradições de Jesus”)[2]. Vários autores judeus como Alon Goshen-Gottstein[3]  e Gerald Friedlander[4] apresentaram evidências de que rabinos e judeus usavam “abba” para se referir a Deus.

    S. Vernon McCasland da Universidade de Virgínia escreveu: “A expressão “Abba, Pai” ocorre apenas três vezes no Novo Testamento…(ela) apresenta um desafio por causa da forma como tem desafiado os tradutores desde o começo até nossos dias.  As 27 traduções a seguir que consultei ilustram o problema… Quase sem exceção ela foi simplesmente transliterada.  Ainda assim, Abba não é uma palavra da língua inglesa, nem latina, alemã, francesa ou espanhola e nenhum leitor, na maioria dos casos, a menos que seja um semita, pode fazer muito além de supor o que ela significa.  Impressiona o leitor desinformado como uma fórmula incompreensível de algum encantamento mágico.  A maioria dos tradutores a deixou como se estivesse carregada com uma força sobrenatural mortal.”[5]

    Rabb do Alcorão

    Quando nos voltamos para o Alcorão, ele esclarece que nem Deus tem um filho, nem Deus é um pai.  Muitos cristãos, quando ouvem isso de mim, acham que não temos relação com Deus porque os cristãos se relacionam com Deus em termos humanos de pai e filho.  Veem os cristãos como tendo uma relação “pessoal” com Jesus e com o Pai, mas “Allah” parece um ser distante para eles.

    A relação dos muçulmanos com Deus é expressa em Rabb, ou mais adequadamente ar-Rabb, um dos nomes de Deus mais repetidos no Alcorão, a escritura muçulmana.  É o nome mais comum com o qual Deus é invocado pelos profetas e pelas orações dos virtuosos.  O nome é claro em seu significado e captura de forma bela a relação profunda com Deus.

    Linguisticamente, de acordo com Ibn Faris[6], os árabes antigos usavam a palavra rabb com os seguintes significados:

    ·Corrigir o que está errado e manter.  Rabb é o mestre, criador e mantenedor.

    ·Ficar próximo a algo.

    ·Unir algo a outra coisa.

    No Alcorão a palavra Rabb quando aplicada a Deus significa [7]:

    1.Rabb é o Mestre que não tem igual, um Mestre que cerca completamente Sua criação com Suas dádivas.[8]

    2.Rabb é Aquele que nutre Sua criação e ainda assim, não é seu pai.  Rabb nutre Seu povo, levando-o de uma fase da vida a outra, cobrindo-o com Suas bênçãos e sustentando-o durante todo esse tempo.  Rabb fornece à Sua criação os meios de sobrevivência, já que somente Ele controla os tesouros dos céus e da terra.

    3.Rabb nutre os corações, almas e o caráter de Seus amados.[9] As orações dos profetas e virtuosos no Alcorão invocando o nome Rabb torna claro esse significado:

    A oração de Abraão: “Ó Senhor (Rabb) meu, concede-me prudência e junta-me aos virtuosos!” (Alcorão 26:83)

    A oração dos virtuosos: “Ó Senhor (Rabb) meu, concede-me perdão e misericórdia, porque Tu és o melhor dos misericordiosos!” (Alcorão 23:118)

    Oração de Adão e Eva: “Ó Senhor (Rabb) nosso, nós mesmos nos condenamos e, se não nos perdoares a Te apiedares de nós, seremos desventurados!” (Alcorão 7:23)

    A oração de Noé: “Ó Senhor (Rabb) meu, perdoa-me a mim e aos meus pais.” (Alcorão 71:28)

    Por fim, a palavra ar-Rabb é repetida no Alcorão como o Rabb de “todos os mundos”, “de tudo”, “de Moisés e Aarão”, “do grande Trono”, “dos céus e da terra” e “do Oriente e do Ocidente.”

     


    NOTAS DE RODAPÉ:

    [1]Ver entrada ‘Fatherhood of God’ em Baker’s Evangelical Dictionary of Biblical Theology.

    [2]Mary Rose D’Angelo, Journal of Biblical Literature, vol.  111, No.  4 (Winter, 1992), pp.  611-630.  Publicado por: The Society of Biblical Literature.

    [3]Ver “God the Father in Rabbinic Judaism and Christianity: Transformed Background or Common Ground?” em Journal of Ecumenical Studies, 38:4, Spring 2001.

    [4]Ver “The Jewish Sources Of The Sermon On The Mount” publicado por Kessinger Publishing, LLC (11 de Janeiro, 2005).

    [5]Ver “Abba, Father” de S. Vernon McCasland, Journal of Biblical Literature, vol. 72, No. 2 (Jun., 1953), pp. 79-91.  Publicado por: The Society of Biblical Literature.

    [6]Abu al–Husayn Ahmad b. Faris b. Zakariyyah b. Muhammad b. Habib se tornou conhecido, em vista de sua especialidade, como “lexicógrafo/linguista” (al–Lughawi).  Pelo título de seu livro incorporando o conceito de “Lei da Linguagem” ele pode ser considerado como o “Pai da linguística”. Estudou em Qazwin, ganhou proeminência em Hamadan e morreu em Rayy em 395 H (1004/1005 CE).  A contribuição principal de Ibn Faris consiste de seus trabalhos importantes nas áreas cognatas de etimologia, filologia, lexicografia e linguística, como:

    (i) O livro sobre os princípios da linguagem (Kitab Maqa’is al–Lugha)

    (ii) O livro de generalidades/Síntese em linguagem (Kitab al–Mujmal fi al–Lugha)

    (iii) Al–Sahibi (A lei da linguagem e os usos da linguagem e os usos dos árabes em seus discursos). (http://islamicencyclopedia.org/public/index/topicDetail/id/107)

    [7]Shar’ Asma il-Allahi Ta’ala al-Husna do Dr. Hassa al-Saghir, p. 123-125

    [8]cf. Tafsir Ibn Jarir e Tafsir Ibn Kathir

    [9]Taisir al Karim al-Rahman, vol5, p. 485

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