As raízes islâmicas dos escravos americanos (parte 1 de 2): Da África para a América

  • Por Aisha Stacey (©2017 IslamReligion.com)
  • DescriçãoUm olhar breve na evidência que sugere que muitos muçulmanos estavam entre os milhões de escravos enviados para a América do Norte.

MuslimRootsOfAmericanSlaves.jpgA maioria dos escravos africanos enviados para a América do Norte vieram da África ocidental.  Eram homens, mulheres e crianças capturados e vendidos para comerciantes de escravos, forçados a entrar em navios e mantidos em condições terríveis.[1]  Historiadores modernos consideram que no auge do comércio de escravos, o século 18, até 7 milhões de africanos tinham empreendido essa viagem.[2]  Também se estima que até 30% dos escravizados na América do Norte eram muçulmanos. [3]

Para compreender a história dos escravos muçulmanos na América do Norte é necessário saber algo sobre escravidão, da forma como existia na África e a história do Islã na África, particularmente na África ocidental.  O Islã chegou à África ocidental por meio dos comerciantes do norte da África e Oriente Médio.  Estabeleceram-se na área a partir do século 10 AEC e começaram um processo longo e pacífico trazido pelo comércio.  A viagem do norte da África através do Saara era feita em etapas.  Os bens passavam por uma cadeia de comerciantes muçulmanos e eram adquiridos finalmente por não-muçulmanos no fim da viagem, ao sul.   Até a primeira metade do século 13 o reino de Gana era um parceiro de negócios chave com o norte muçulmano.  Ao longo dos próximos quinhentos anos, vários governantes e comerciantes locais que queriam fazer negócios com os negociantes muçulmanos se adaptaram ao Islã e seus costumes.[4]O Islã tinha uma reputação de absorver os costumes locais e, assim, a transição foi suave.  Entretanto, a maioria dos povos da África ocidental só se converteu ao Islã no século 18[5], justamente no auge do comércio transatlântico de escravos.

Por toda a África, prisioneiros de guerra foram tomados como escravos e outros foram escravizados em pagamento por débito ou como punição por crimes.  Essa escravização geralmente era em pequena escala.  Os africanos geralmente escravizavam “outros” povos, não seu próprio grupo étnico ou cultural.[6]  Esse comércio de escravos em pequena escala era suficiente para suprir a demanda por escravos dentro da África, mas não o suficiente para suprir a demanda de fora, particularmente dos europeus. Assim, guerras e invasões para obter escravos e sequestros de indivíduos aumentaram.  Os europeus queriam os escravos para trabalhar nas terras que tinham nas ilhas caribenhas e nas Américas.  Era uma fonte de trabalho mais abundante que a de servos contratados.  É possível que os muçulmanos estivessem entre os 20 africanos trazidos para o assentamento em Jamestown, Virgínia, em 1619.

Para os milhares de muçulmanos capturados e assentados na América do Norte, manter a religião era difícil e, geralmente, impossível.  Muitos foram forçados a se converterem ao Cristianismo.  Qualquer esforço para praticar o Islã ou manter seus nomes ou vestimentas tradicionais era reprimido e tinha que ser feito em segredo. [7]  Entretanto, podem ser encontradas evidências de origens muçulmanas em toda a história documentada.  Versículos do Alcorão escritos à mão foram encontrados, e revelam os altos níveis de educação alcançados pelos autores na África, antes da escravização. [8]  É sabido que os senhores de escravos geralmente colocavam os escravos muçulmanos como supervisores dos demais.  Além disso, nomes muçulmanos podem ser encontrados em relatos de escravos fugitivos e entre as listas de soldados na guerra americana de independência.

Em 1984 o estudioso destacado dos escritos e da história de negros na guerra civil, Dr. Allan D. Austin, publicou um livro chamado African Muslims in Antebellum America: A Sourcebook.  O livro explora, por meio de retratos, documentos, mapas e textos, as vidas de 50 africanos muçulmanos pegos no comércio de escravos entre 1730 e 1860.  Esse livro foi atualizado e republicado em 1997 e intitulado African Muslims in Antebellum America: Transatlantic Stories and Spiritual Struggles.  O que se segue são várias biografias breves ou instantâneos de alguns dos muçulmanos capturados e escravizados na nação dos EUA ainda em formação.

Job Ben Solomon nasceu Ayyub ibn Sulayman ibn Ibrahim por volta de 1702 no que é hoje o Senegal.  Era de uma família de sábios religiosos e com a idade de 15 anos era um co-imame com seu pai.  Durante uma expedição de negócios Job foi capturado em território inimigo e vendido aos britânicos.  Foi então vendido para trabalhar nos campos de tabaco de Maryland.  Não se converteu ao Cristianismo, orava abertamente e aderia às diretrizes da dieta islâmica.  Fugiu de sua plantação, mas foi capturado, colocado na prisão e, posteriormente, devolvido ao seu senhor.  Cheio de tristeza escreveu uma carta para seu pai e essa carta chegou às mãos de um filantropo britânico chamado James Oglethorpe.  Esse homem ajudou a libertar Job, que então iniciou sua viagem de volta para casa via Inglaterra.  Na viagem de navio para a Inglaterra Job aprendeu a escrever em inglês e, enquanto estava na Inglaterra, escreveu o Alcorão três vezes de memória. Relata-se que ajudou com a famosa tradução de George Sale.  Chamava as pessoas para o Islã refutando suas alegações sobre a divindade de Jesus e também foi eleito para a Spalding Gentlemen’s Society, que pode tê-lo colocado na companhia de Sir Isaac Newton e Alexander Pope.

A história de Yarrow Mamout nos foi legada via conversas que ele teve com o artista que pintou seu retrato.  Sua vida na África é desconhecida, mas devido ao seu comportamento bom e muito educado, foi libertado depois de colocar os tijolos na casa de seu senhor.  Como liberto comprou sua própria casa em Georgetown e era conhecido por orar nas ruas e por sua sobriedade.

Em dezembro de 1807 um homem conhecido como S’Quash foi trazido para a Carolina do Sul.  Era conhecido por ser um excelente cavaleiro e letrado em árabe.  Os historiadores apontam para seu casamento com uma escrava muçulmana do Sudão, para indicar que ele também era muçulmano.

Continua na parte 2.

 


Notas de rodapé:

[1]Slavery and the Slave Trade in the Context of West African History. J. D. Fage. The Journal of African History

Vol. 10, No. 3 (1969), pp. 393-404. Publicado por: Cambridge University Press

 [2]http://www.history.com/topics/slavery

[3]Tweed, Thomas A. “Islam in America: From African Slaves to Malcolm X”. National Humanities Centre. & Curtis, Muslims in America.

[4]The Spread of Islam in West Africa. Margari Hill, Stanford University. Janeiro de 2009

[5]Ibid

[6]http://discoveringbristol.org.uk/slavery/people-involved/enslaved-eople/enslaved-africans/africa-slavery/

[7]http://www.pbs.org/opb/historydetectives/feature/islam-in-america/

[8]Were My African American Ancestors Muslims? 2013 Nathan W. Murphy

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