DEUS RESIDE DENTRO DE SUA CRIAÇÃO?

  • Por Tariq Jalal (© 2017 IslamReligion.com)
  • Descrição: Esse artigo discute de forma breve e refuta a ideia de que Deus está física e literalmente presente dentro da natureza e prova que Sua supremacia sobre Sua criação é o que se adequa conceitualmente a Ele.  

  • Deus Todo-Poderoso é distinto de Sua criação. Nada Dele reside nela,[1] nem há nada de Sua criação Nele.

    Does_God_Reside_Within_His_Creation01_01.jpgEsse tema tem sido reiterado por todos os teólogos muçulmanos para confirmar que não há espaço no Islã para a crença de Deus ser inerente em Sua própria criação, um conceito conhecido como onipresença de Deus, ubiquidade ou panteísmo (de pan- “todos” + theos “deus”)[2].  Esse conceito fundamenta quase todas as religiões e mitologias famosas do mundo.  Simplesmente faz da criação, ou parte dela, uma manifestação de Deus.  Teologias antropomórficas – aquelas que dão atributos humanos a Deus – adotam o panteísmo como sua crença base.  Cita-se o deus hindu Krishna:

                                  “Existo em todas as criaturas,

                                  Assim o homem disciplinado devotado a mim

                                  Percebe a unicidade da vida,

                                  Onde quer que esteja, ele está mim”[3]

    A religião pagã indígena do Japão conhecida como Xintoísmo (literalmente caminhos dos deuses) confessa a crença em Kami, que se refere à divindade, ou essência sagrada, que se manifesta em formas múltiplas.  Pode-se dizer que pedras, árvores, rios, animais, lugares e até mesmo pessoas possuem a natureza de Kami.  Kami e as pessoas existem dentro do mesmo mundo e compartilham sua complexidade inter-relacionada.[4]

    Por que o Islã se opõe de forma tão inabalável a essas noção unanimemente bem-vinda? Os sábios muçulmanos citam mais de mil provas somente do Alcorão de que Deus está no status mais alto de supremacia acima dos céus (acima de toda a criação):

    “Glorifica o nome do teu Senhor, o Altíssimo.” (Alcorão 87:1)

    “Temem ao seu Senhor, que está acima deles, e executam o que lhes é ordenado.” (Alcorão 16:50)

    Isso, entretanto, não inviabiliza o fato de que Deus tem conhecimento completo de Sua criação (sem ser parte dela).  Ele é o Criador e Sustentador de tudo e nada passa a existir, exceto pela Sua vontade. Ele tem poder e autoridade completos sobre tudo que existe.

    Isso não significa muito para aqueles que não acreditam no Alcorão como a palavra de Deus.  Entretanto, existem imprecisões conceituais grosseiras resultantes de ter uma crença de que Deus está física e literalmente permeando Sua criação.  As ramificações desse conceito são contra a lógica, a religião e a moralidade.

    1-   O panteísmo é uma forma de ateísmo vivificado com emoções de reverência da criação ou, como coloca Richard Dawkins, é um ateísmo sexuado[5].  É uma rejeição de Deus como um ser independente, interligado com canalização de emoções religiosas para o mundo físico.  O ateísmo simplesmente tem como objetivo uma interpretação da vida sem Deus, enquanto que o panteísmo apela aos cientistas que não conseguem passar sem um toque de espiritualidade quando veem simetria e ordem na criação.  Em uma de suas cartas, Albert Einstein, um panteísta confesso, escreve “Nós seguidores de Spinoza vemos nosso Deus na ordem e legitimidade maravilhosas de tudo que existe e em sua alma [“Beseeltheit“] já que se revela no homem e no animal.”[6] Deus se torna testável e pesquisável e os cientistas podem ter seu próprio clero!!

    2-   As perguntas “Deus e o universo começaram a existir ao mesmo tempo nesse caso?” e “Deus é o Criador do universo?” tornaram-se redundantes nesse contexto. A resposta é Deus não pode ter existido antes de uma coisa que Ele não pode ser concebido sem ela e como Ele não pode ter criado uma coisa sem ser distinto dela, não pode ser um criador de uma criação na qual está envolvido.  Em resumo, essa abordagem teológica incapacitou Deus totalmente e O fez incapaz de subsistir de maneira autônoma por um segundo.  Em seu Pérolas de Sabedoria, Ibn Arabi, o sufi panteísta, explica o mistério de como Deus (Que é infinito) é capturado inseparavelmente dentro da criação finita em uma metáfora marcante, mas de difícil compreensão: O universo é o alimento de Deus e Deus é o alimento do universo. Como a divindade devora o cosmos, assim também o cosmos devora a divindade.  Deus e o mundo, portanto, têm que ter começado juntos.

    3-   Desnecessário dizer, todos os atos clássicos de adoração se tornam supérfluos: Se Deus me permeia e eu O permeio, como e por que devo orar para qualquer coisa, quando tenho Deus dentro de mim também. Em outras palavras, Deus está orando para Deus?!!  De fato, abster-se de todas as formas de adoração seria mais compreensível que fazer qualquer uma, em vista desse imanentismo nivelador. A hierarquia espiritual de toda a criação, que se supõe tem Deus no topo, colapsa em uma letargia espiritual desmotivante.   Ao invés disso, ouve-se termos nebulosos como reverenciar e celebrar a natureza, que são somente atendentes a prior de qualquer crença em Deus como um criador distinto, Que criou a natureza sem ser idêntica a ela.

    4-   Pode-se agora compreender facilmente por que certos objetos ou animais são adorados, especialmente se mitos auxiliares falam de faíscas divinas neles.  O Hinduísmo, intensamente baseado na adoração de animais e idolatria da natureza, vê animais e elementos da natureza como manifestações do poder divino.  Essa elevação da natureza, entretanto, não pode ser uma depreciação simultânea da Divindade que sempre foi sinônimo de sacralidade e majestade.  Deus se tornou tão indiscriminadamente mundano que pode ser inerente na putrefação e em quantos locais sujos e inapropriados se pode enumerar.  O sufi panteísta Ibn Arabi, como todos os comentadores dessa teoria, deixa de fora carniças, pântanos pútridos, malcheiroso e estagnados e todos os locais desalinhados aos quais implicitamente Deus é inerente e poeticamente seleciona onde acredita que Deus esteja:

                                  Meu coração pode assumir

                                  qualquer forma:

                                  um prado para gazelas,

                                  um claustro para monges,

                                 

                                  Para os ídolos, solo sagrado,

                                  Caaba para o peregrino em círculos,

                                  as tábuas do Torá,

                                  os pergaminhos do Alcorão.[7]

     

          Compreensivelmente os sufis são conhecidos pela busca de Fanaa’ (literalmente, auto aniquilação) que tem como objetivo perder-se espiritualmente em Deus, mais uma vez um desvio conceitual profundamente envolvido em mistério.  Como em todos os paradigmas paralelos, a incompreensibilidade reverenciada ordena aos crentes que apenas tenham fé e nunca desistam de mistificar ao pensar em Deus, ao invés de tentarem entender.

    6-   Ao se afastar intencionalmente do conceito de um Deus transcendente e imponente, o panteísmo dificilmente consegue elaborar qualquer base para uma ética concebível e aplicável.  Uma deidade transcendente é essencial para as normas valorizadas de pecado e mal e a moralidade tem que encontrar outros motivadores além da recompensa e punição, uma coisa que nenhum conjunto de leis humano provou ser capaz de fazer.

    De maneira semelhante, a bipolaridade de bom e mal não pode ser apresentada nesse contexto. Deus que se acredita ser todo bom e perfeito, não pode emanar o mal.  Assim, todas as manifestações do mal que vemos devem consequentemente ser classificadas como bem. Tal teoria é injustificadamente inóspita aos valores básicos que caracterizam a vida humana e entra em conflito com a lógica simples.  Quando impeditivos éticos e estímulo não estão presentes, prevalece a anarquia e o impulso para o mal não pode ser mantido em cheque.  “Se Deus inclui tudo e Deus é perfeito ou bom, então tudo que existe deve ser perfeito ou bom. Uma conclusão que parece ser totalmente contrária à nossa experiência comum do que muito no mundo está muito longe de ser.”[8]

     


    NOTAS DE RODAPÉ:

    [1]Ibn Taymiyyah,Al-Fatwa Al-Hamawyyh Al-Kubra, 370

    [2]Oxford Dictionary of English

    [3]Bhagavad Gita 31 do capítulo 6

    [5]Richard Dawkins, The God Delusion (2006) p. 40.

    [6]Max Jammer, Einstein and Religion: Physics and Theology (1999), p. 51

    [7]Ibn Arabi, Tarjuman al-Ashwaq, a partir da tradução para o inglês de Michael A. Sells, do Poema 11

    [8]The Stanford Encyclopedia of Philosophy

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